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Drummond: perdoe-me inventá-lo em sua ausência

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Por DR. LUCIANO MARCONDES GODOY
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Membro do Grupo de Estudos de Psicanálise de São José do Rio Preto e Região

Drummond: perdoe-me inventá-lo em sua ausência 


Talvez meu desconhecimento da Obra de Drummond, leitor de apenas algumas crônicas e sonetos do escritor, constitua uma certa vantagem. Fora um leitor assíduo, é possível que forjado pela própria Obra, me visse seguindo algum roteiro.

Não tendo essa farta fonte, vejo-me, com esse distanciamento, privilegiado pela isenção. 

Com isso, essa agradável tarefa corre mais à solta: à de inventá-lo. Tenho como fatores à minha disposição, sua imagem e o imaginário de minha especulação. 

Passo então a configurar o que chamarei de imago de Drummond. Tento desenhar essa Imago em palavras. 

E vou logo contando minhas impressões, meus registros. Jamais saberei se existem coincidências e em que grau com a realidade, nesse tipo de construção.

Isso não me importa muito pois estou familiarizado com a ideia de que o que tenho de meus pais é a Imago deles, para dar-lhes um exemplo primordial. Muito diferente da que têm meus irmãos. Já conferi com eles. 

   Então, mais encorajado, e certamente com muito menos   probabilidade de aproximar imago e realidade, volto a meu projeto.

    Drummond Imago é um homem simples, corajoso e verdadeiro. Qualidades que desencadeiam outras, como a confiabilidade, timidez, introversão, modéstia. E a sensibilidade com as pequenas coisas, coisa dos grandes homens, invariavelmente simples.

   Corajoso no enfrentamento das chuvas e trovoadas da vida. Verdadeiro ao opinar de maneira sincera e  espontânea às indagações que lhe fazem em profusão. Criativo, intuitivo e atento às vibrações da Sabedoria. Disperso quando se trata de racionalizações e exibicionismos intelectuais. 

   Principalmente quando cheiram erudição. Ia me esquecendo de dizer que ele tem aversão à mídia e às ideologias políticas. Aos “ismos”, nem se fala.

   Tudo que vê, examina tocando, cheirando. Observa porém, com seu sensório interior. É homem de visão e faro internos.

    Sua arte, no entanto, é para poucos.

    Drummond é um simples complexo. Como a vida. 

    Aparente paradoxo pois o simples é o que temos de mais complexo. Como o óbvio.

    Vício acho que ele tinha só de escrever.

    Se pudesse conferir-lhe um outro, seria um cigarrinho de palha. Cairia bem com sua simplicidade.

   Religião tem a de Einstein, que indagado sobre, responde: “Se curvar-se diante do Mistério é religião, considerem-me profundamente religioso”.

    Me perdoem os ortodoxos, mas devo informar-lhes que seu lado simples dotou-o de grande amor à família.

    Que gosta do café da tarde com pão de queijo de Minas.

    Do almoço de domingo feito por sua mãe que considera a melhor cozinheira do mundo.

    Termino citando duas pérolas de seu outro lado: o complexo, rico como a vida. 

    Drummond é simples complexo porque é como a vida.

    Na primeira pérola encontro a melhor definição que ouvi sobre a função simbólica.

    Está no soneto AUSÊNCIA


                “....porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba 

                                                                                           mais de mim”.

A segunda pérola encontra-se em

                                    “Congresso Internacional do Medo”

Não consigo deixar de citá-la na integra:

“Provisoriamente não cantaremos o amor

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos

cantaremos o medo, que

esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque

esse não existe

existe apenas o medo, nosso pai

e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos

mares

dos desertos

o medo dos soldados, o medo das

mães, o medo das igrejas

cantaremos o medo das ditaduras,

o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o

medo de depois da morte,

Depois morreremos de medo,

e sobre nossos túmulos nascerão

flores amarelas e medrosas.”

    Não sei qual dos dois lados admiro mais nessa minha Imago Drummond.

    Mas acredito que um não existiria sem o outro.

 

    Drummond é simples complexo. Porque é como a vida.

Luciano Marcondes Godoy 

15/01/2021

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