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Drummond: perdoe-me inventá-lo em sua ausência
Talvez meu desconhecimento da Obra de Drummond, leitor de apenas algumas crônicas e sonetos do escritor, constitua uma certa vantagem. Fora um leitor assíduo, é possível que forjado pela própria Obra, me visse seguindo algum roteiro.
Não tendo essa farta fonte, vejo-me, com esse distanciamento, privilegiado pela isenção.
Com isso, essa agradável tarefa corre mais à solta: à de inventá-lo. Tenho como fatores à minha disposição, sua imagem e o imaginário de minha especulação.
Passo então a configurar o que chamarei de imago de Drummond. Tento desenhar essa Imago em palavras.
E vou logo contando minhas impressões, meus registros. Jamais saberei se existem coincidências e em que grau com a realidade, nesse tipo de construção.
Isso não me importa muito pois estou familiarizado com a ideia de que o que tenho de meus pais é a Imago deles, para dar-lhes um exemplo primordial. Muito diferente da que têm meus irmãos. Já conferi com eles.
Então, mais encorajado, e certamente com muito menos probabilidade de aproximar imago e realidade, volto a meu projeto.
Drummond Imago é um homem simples, corajoso e verdadeiro. Qualidades que desencadeiam outras, como a confiabilidade, timidez, introversão, modéstia. E a sensibilidade com as pequenas coisas, coisa dos grandes homens, invariavelmente simples.
Corajoso no enfrentamento das chuvas e trovoadas da vida. Verdadeiro ao opinar de maneira sincera e espontânea às indagações que lhe fazem em profusão. Criativo, intuitivo e atento às vibrações da Sabedoria. Disperso quando se trata de racionalizações e exibicionismos intelectuais.
Principalmente quando cheiram erudição. Ia me esquecendo de dizer que ele tem aversão à mídia e às ideologias políticas. Aos “ismos”, nem se fala.
Tudo que vê, examina tocando, cheirando. Observa porém, com seu sensório interior. É homem de visão e faro internos.
Sua arte, no entanto, é para poucos.
Drummond é um simples complexo. Como a vida.
Aparente paradoxo pois o simples é o que temos de mais complexo. Como o óbvio.
Vício acho que ele tinha só de escrever.
Se pudesse conferir-lhe um outro, seria um cigarrinho de palha. Cairia bem com sua simplicidade.
Religião tem a de Einstein, que indagado sobre, responde: “Se curvar-se diante do Mistério é religião, considerem-me profundamente religioso”.
Me perdoem os ortodoxos, mas devo informar-lhes que seu lado simples dotou-o de grande amor à família.
Que gosta do café da tarde com pão de queijo de Minas.
Do almoço de domingo feito por sua mãe que considera a melhor cozinheira do mundo.
Termino citando duas pérolas de seu outro lado: o complexo, rico como a vida.
Drummond é simples complexo porque é como a vida.
Na primeira pérola encontro a melhor definição que ouvi sobre a função simbólica.
Está no soneto AUSÊNCIA
“....porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba
mais de mim”.
A segunda pérola encontra-se em
“Congresso Internacional do Medo”
Não consigo deixar de citá-la na integra:
“Provisoriamente não cantaremos o amor
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos
cantaremos o medo, que
esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque
esse não existe
existe apenas o medo, nosso pai
e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos
mares
dos desertos
o medo dos soldados, o medo das
mães, o medo das igrejas
cantaremos o medo das ditaduras,
o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o
medo de depois da morte,
Depois morreremos de medo,
e sobre nossos túmulos nascerão
flores amarelas e medrosas.”
Não sei qual dos dois lados admiro mais nessa minha Imago Drummond.
Mas acredito que um não existiria sem o outro.
Drummond é simples complexo. Porque é como a vida.
Luciano Marcondes Godoy
15/01/2021