Postagem:
Na clínica psicanalítica com pacientes psicossomáticos, o analista, desenvolve a competência de escutar o inaudível. Esses pacientes formam uma espécie de envelope doloroso muscular, na tentativa de sobrevivência. Como se fosse uma solução desesperada para escapar da agonia de desaparecer no espaço sem fim, de não ter contornos próprios, de não confiar nos objetos.
Segundo Hannah Arendt - O pior dos horrores torna-se suportável quando pode ser narrado a outro ser humano.
No processo psicanalitico, esses pacientes demandam do analista proporcionar a transformação dos acontecimentos corporais em acontecimentos psíquicos, o que podemos chamar de trabalho de psiquização do corpo. Construir novos sentidos ao psiquico-soma, sendo que o corpo vai criando contornos de uma elaboração psíquica, uma pele psíquica vai substituindo a pele -dor que lhe dava uma identidade e uma unidade precária de existência.
...Meu corpo apaga a lembrança
que eu tinha de minha mente.
Inocula-me seu patos,
me ataca, fere e condena
por crimes não cometidos.
O seu ardil mais diabólico
está em fazer-se doente.
Joga-me o peso dos males
que ele tece a cada instante
e me passa em revulsão.
Meu corpo inventou a dor
a fim de torná-la interna,
integrante do meu Id,
ofuscadora da luz
que aí tentava espalhar-se.
Outras vezes se diverte
sem que eu saiba ou que deseje,
e nesse prazer maligno,
que suas células impregna,
do meu mutismo escarnece. ...
DRUMMOND DE ANDRADE,C. Corpo.
RJ, Record,1984