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Esse texto foi publicado na apresentação do livro Curtas Reflexões, Ed. Ponto Z, de São José do Rio Preto, tendo como organizador o poeta e escritor Zeca Pontes. Trata-se de uma coletânia de contemplações em versos, prosas e imagens poéticas durante a quarentena de 2020.
Utilizo o conceito teórico Winnicottiano sobre a Capacidade para Estar Só como fonte inspiradora para esta reflexão, e que, contribui como um bom recurso psíquico para lidar com a necessidade de confinamento e isolamento social nos impostos pela pandemia do Corona vírus.
Certa vez, em uma sessão de terapia, conversava com a psicóloga sobre equilíbrio e harmonia. Ela me dizia naquela ocasião que os orientais, para avaliar sua condição emocional, lidam com um parâmetro relacionado ao tempo de 24h do dia. Assim, deveríamos dispor 8 horas para o trabalho, 8 horas para o lazer e 8 horas para o descanso. Este seria um protótipo de uma vida equilibrada. Tal reflexão me provocou a pensar e, logo, descobri o disparador do meu quadro de insônia e estresse vivido naquele momento. Estava me atropelando e desrespeitando os meus próprios limites. O que me intriga é constatar que tal ritmo acelerado passa a ser imperceptível. Ele “escapa” aos nossos olhos, e, o desconforto causado pelo mal estar passa a ser o seu sinal de alerta. Como o sinal vermelho do trânsito que representa um “stop” para os motoristas. Suponho que este tempo que estamos precisando nos isolar socialmente para preservar as nossas vidas, seja uma amostra de que algo está em desequilíbrio. Uma pausa vem sendo necessária. Uma pausa a favor da preservação de nossas vidas. Curioso observar a importância da pausa na teoria musical. A pausa é um intervalo de tempo onde deve haver silêncio absoluto. Diz respeito a um momento da música em que nenhuma nota deve ser tocada. Assim, não existiria harmonia musical sem os intervalos de pausas. O que escutaríamos seria um ritmo frenético de sons indiscriminados. Um som turbulento em sua continuidade. Aqui nos encontramos neste contexto contemporâneo, onde sofremos com a alienação do consumismo e que, seríamos “felizes” somente com a condição de estarmos incluídos concordando com os padrões sociais. Estamos sujeitos a uma cegueira em que os valores do bom e do belo são ditados pelas marcas de grife e de carros importados. Somos torturados por estarmos expostos a esse mecanismo frenético social. Um excesso de luz que ofusca nossa visão. Um ruído constante, sem a musicalidade. Precisamos de uma pausa, um rastro de escuridão. Precisamos das 8 horas para alimentar nosso sono. Precisamos acionar o nosso termostato mental e reencontrar o tempo para o nosso descanso. Desligar-se, temporariamente, do mundo externo implica em manter-se ligado a si mesmo. Aos poucos fui aprendendo nas sessões de terapia que existia um Eu com o qual eu podia contar. Descobri, então, que tinha a mim mesmo como uma boa companhia, e que, estar sozinho não significava desamparo e nem solidão, pelo contrário, estar consigo pode ser, não só prazeroso, como essencial. Diz respeito a uma condição de maturidade emocional, essa capacidade para estar só. Talvez esse seja o desafio nesse tempo de isolamento social. Desenvolver e exercitar nossa capacidade para estar só, e encontrar em si um bom terreno onde se possa habitar.